Na vivência coletiva do brasileiro comum, não aparece tão clara a consciência de pertença à comunidade hispânica, que se vincula, frequentemente, à língua dos países vizinhos, vistos estes durante muito tempo, como hipotética ameaça à integridade nacional, ou como concorrentes político-econômicos perante o Primeiro Mundo. Mais do que relações entre os países ibero-americanos, neste lado do Atlântico, predominou o desconhecimento mútuo; suas relações, apesar da proximidade geográfica, estavam mediatizadas pela Europa ou foram embarcados juntos na política pan-americana orientada pelos Estado Unidos, que disputava e disputa a hegemonia no Novo Continente.
Dois aspectos contribuíram para esse afastamento; o primeiro: o processo diferenciado da emancipação colonial e, em segundo lugar, as teorias cientificistas e nacionalistas do século XIX. Ao longo desse século reforçaram-se teorias racistas e até climáticas, que estabeleciam a superioridade dos nórdicos e a morbidez dos trópicos. Reconhecia-se tácitamente a inferioridade de três raças: a latina, a indígena e a africana. O povo brasileiro, como todos os denominados, agora, “latino-americanos,” eram mestiços, e como tais incapazes de liderança nos destinos dos povos, segundo rezava o dogma científico.
Brasil, como também o fazia Argentina por exemplo, queria “ser Europa”, predominando o mimetismo cultural que, é claro, somente podia ser reproduzido entre as elites. O modelo passou a ser a França, que desde a Corte Imperial, presidida por D. Pedro II, imprimiu uma orientação cultural de inspiração francesa. Foram artistas e viajantes estrangeiros quem dirigiram seu olhar, consciente ou inconscientemente, sobre uma
realidade, para eles exótica, registrando imagens, vivências e narrativas que seriam reinterpretadas por etnólogos, antropólogos e historiadores posteriormente. A formação do processo nacionalista passou a ser reforçado no final do século XIX, com a instalação do regime republicano. Foi preciso o passar do tempo, a renovação dos métodos historiográficos e a conquista de um novo conceito de cultura, considerada como uma construção socio-histórica, (toda apropriação do objeto pelo sujeito é filtrada pela cultura), que cria instrumentais de compreensão e representação do mundo (a linguagem). Ser depositário da cultura, nesse
sentido, não significa reproduzir o patrimônio cultural, mas um processo de (re)criação.
sentido, não significa reproduzir o patrimônio cultural, mas um processo de (re)criação.
Tal vez seja esse pioneirismo o que contribuiu para situar o Brasil, no momentopresente, à cabeça dos povos latino-americanos, sem haver tido uma tradição cultural tão rica como México, Peru ou Argentina. Se a ligação entre o presente e o passado é uma fonte de renovação, e se a estruturação dos acontecimentos passados, em um processo de transformação, é dirigido pelos interesses presentes e pela ideologia, desempenhada pelas imagens do passado no interior da sociedade, é certo que o passado tem um papel central a exercer no florescimento da cultura .
“O Brasil nasce sob o signo da utopia” afirma Darcy Ribeiro no início da sua obra: O Povo brasileiro. Quando, aparentemente, novos ares inspiram as relações entre os povos hispânicos, de um e de outro lado do Atlântico, é de esperar, que a consciência de hispanidade adquira novo impulso, porém as relações que atualmente despontam, para serem duráveis, devem alicerçar-se nacaminhos da economia-de-mercado, que globaliza as relações, mas não cria identidade. A identidade, a utopia da cultura ibero-americana acenam, como um desafio a ser atingido. cultura, sem deslumbrar-se pelos conjunturais.
Texto tidado do "Anuario Brasileño de Estudios Hispánicos"
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