quarta-feira, 1 de junho de 2011

¡Alegría! ¡Alegría": Lygia Pape e os "indignados" na Espanha


O SOL NAS BANCAS de revista. E a banca de revista na Puerta del Sol. No coração de Madri, onde acampam há duas semanas os "indignados", ninguém lê tanta notícia. São outros os textos: do enorme outdoor da L'Oréal, os indignados -como são conhecidos os manifestantes que há duas semanas ocupam as praças de toda a Espanha, protestando contra a corrupção e o desemprego avassalador no país- sacaram o começo para compor "real democracia".

Numa fachada próxima, estamparam um homem que lembra Hitler com as orelhas do Mickey Mouse. Não satisfeitos, subverteram a placa do metrô Sol para criar o ponto utópico de "plaza SOLución". Sob o codinome 15-M, o movimento armou barracas ali, em 15 de maio (a uma semana dos sufrágios municipais e de comunidades autônomas), como forma de protesto contra o sistema eleitoral espanhol. Objetos cênicos da ocupação, cartazes listam currículos dos revolucionários: fluência em cinco línguas, duas graduações, especialização. Arrematam com um "score": o do tempo que levam de braços cruzados.

Debatem tudo. Passam largas horas em infinitas assembleias para discutir do salário mínimo aos planos urbanísticos, da especulação imobiliária a questões de ordem. Na terça-feira, levaram um par de horas para deliberar sobre a conveniência de conceder uma entrevista a um canal de televisão, decidindo pelo não após acalorada reunião. Mas são todos muito polidos. Anunciam pelo Twitter quando acabam as atividades ruidosas do dia, para não incomodar os vizinhos da praça. Também se distribuem em brigadas de alimentação, enfermaria, comunicação, organizam leituras dramáticas, traduzem clássicos para a linguagem infantil e oferecem camisinhas aos que endureceram sem perder a ternura.

Divisor - Lygia Pape
POR ENTRE FOTOS E NOMES: Outra estrangeira, Lygia Pape, é mais benquista no front revolucionário. Na praça em frente ao Reina Sofía, um grupo ensaiava sua performance "Divisor" na abertura da retrospectiva dedicada à brasileira no museu espanhol. É o pano branco que cobre a multidão, deixando só as cabeças à mostra, num mar flutuante de corpos desmembrados pela plástica da ação. 

Pape fez desaguar seu oceano humano pela primeira vez em 1968, ano da entrada em vigor do AI-5, diante do Museu de Arte Moderna do Rio. Agora, espanhóis convocados para a ação estavam a serviço do marketing habitual das grandes mostras no circuito global. Ignoravam a história pregressa da obra -embora uma ala até sugerisse contrabandear o pano para "causar" na Puerta del Sol. Aflita com a documentação, a filha da artista, Paula Pape, orientava a massa em "portunhol" para poder filmar tudo a tempo, cancelando a itinerância do manto. 

Adaptado de Silas Martí da coluna "Ilustríssima", Folha de São Paulo

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