A América Latina está mais autônoma em relação aos EUA. O Brasil desempenha um papel-chave para conter nacionalismos e precisa controlar suas próprias tentações. A crise atual vai aumentar o protecionismo.
As avaliações são de Edgar Dosman, cientista político e professor da Universidade de York, no Canadá, onde é pesquisador do Centro York de Estudos Internacionais e de Segurança.
Ele lança no Brasil o livro "Raúl Prebisch, a Construção da América Latina e do Terceiro Mundo", biografia do estruturalista argentino que construiu a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina), imaginou a integração regional e defendeu a industrialização no continente.
A seguir, trechos da entrevista que concedeu à Folha. Dosman estará no Brasil em agosto para o lançamento do livro.
Como o sr. qualifica a situação na América Latina, os blocos econômicos e a emergência da China na região?
Edgar Dosman - É complexa. A arquitetura regional está em transição com numerosas iniciativas simultâneas, incluindo o esforço liderado pelo Brasil para consolidar a comunidade sul-americana. A criação de um novo processo latino-americano exclui os Estados Unidos e o Canadá e desafia a tradicional máquina interamericana centrada na Organização dos Estados Americanos (OEA). Há o experimento da Alba. Também o México faz uma nova aliança no Pacifico, com os países andinos. O processo de integração regional, que começou em 1960, teve uma segunda fase com a formação de blocos subregionais, como o Mercosul e o Nafta. Agora há um terceiro período, de conteúdo ainda indefinido. Todos os blocos existentes têm problemas de legitimidade, incluindo o Mercosul e o Nafta. A Alca está morta. O que é certo é que a América Latina tem hoje muito mais autonomia em relação aos EUA do que tinha no passado. Não apenas como resultado da afluência de atores poderosos como a China e a Índia, o que favorece um sistema econômico internacional multipolar, como também pelas conquistas macroeconômicas feitas a duras penas pelos governos latino-americanos, que deram uma resposta anticíclica à recessão de 2008. O declínio da influência norte-americana também reflete, é claro, a paralisia do governo de Washington, o que afeta o seu prestígio.
A questão do nacionalismo está de volta?
O Mercosul tomou o lugar da rivalidade militar entre Brasil e Argentina, com uma comunidade segura. Foi uma grande conquista. Também a diplomacia conteve crises como a entre Equador e Colômbia, administra as relações com a Venezuela, e aceita a liderança do Brasil no Haiti. É possível que a nova aliança do Pacífico alivie as tensões entre Chile e Peru. Mas há desafios. Na América hispânica, há resentimentos em relação ao poder do Brasil. Algumas das antigas rivalidades continuam (Chile-Bolívia, Colômbia-Venezuela, América Central etc), complicando o diálogo continental. A questão do crime na região precisa ser constatemente atacada. O principal fator de sucesso será a qualidade da liderança brasileira. Como lider regional, o país tem a responsabilidade de conter o nacionalismo e, mais do que isso, controlar suas próprias tentações.
Qual sua visão do Mercosul?
Tem apoio forte, apesar das tensões. Enquanto existe hoje o início de um diálogo continental, o escopo da integração dos sistemas produtivos é muito mais profundo. O desafio continua sendo a disparidade na região entre países em diferentes níveis de capacidades e desenvolvimento.
"Raúl Prebisch, a Construção da América Latina e do Terceiro Mundo"
- Autor: Edgar Dosman
- Editora: Contraponto
- Páginas: 656
- Quanto: R$ 80
Entrevista feita por Eleonora de Lucena da Folha de São Paulo
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